Espaços humanizados

Arquitetura pode e deve contribuir para tornar ambientes de saúde mais acolhedores

Com decisões estruturais e decorativas que humanizam espaços de tratamento, o conceito central é fazer com que os pacientes possam se sentir como se estivessem em casa, influenciando diretamente no processo de cura

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postado em 19/04/2015 07:00 / atualizado em 23/04/2015 17:05 Joana Gontijo /Lugar Certo
Edifício de um laboratório e centro diagnóstico planejado por Lauro Miquelin abusa de desenho luxuoso e inovador para ser mais atrativo - L M/Divulgação Edifício de um laboratório e centro diagnóstico planejado por Lauro Miquelin abusa de desenho luxuoso e inovador para ser mais atrativo
A arquitetura como aliada da saúde. Uma nova forma de encarar o ambiente físico como parte importante em um processo terapêutico tem transformado hospitais, clínicas, consultórios, centros de diagnóstico e laboratórios com leituras espaciais agradáveis, inteligentes e calorosas, para ajudar diretamente na recuperação de pacientes. Saindo da frieza e do tom extremamente formal, impessoal e asséptico, há algum tempo já é comprovado que um lugar mais receptivo, no mínimo, relaxa e diminui o estresse, e a ordem da visão arquitetônica especializada na área médica é fazer quem está sob cuidados se sentir em casa. Com a aplicação bem planejada de elementos como revestimentos de parede, iluminação, mobiliário, pisos, cores, aromas, termo-acústica, até a simples inserção de plantas, peças assinadas, obras de arte ou música, o conceito é que a unidade de tratamento, independente do nível de complexidade estrutural, a especificidade da doença e o tipo de demanda, seja como um confortável hotel, cada vez mais humanizada.

O arquiteto e diretor da L+M, Lauro Miquelin, empresa que há 28 anos tem foco em projetos direcionados à medicina, hoje é expert em planejar, construir e operar esses empreendimentos e assina o desenho interior da nova unidade do Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, cunha o termo “design do acolhimento” para falar sobre como o que está ao redor pode contribuir para oferecer ao enfermo a melhor condição de bem-estar possível, em última análise sua definição própria de saúde. Nesta perspectiva, a primeira coisa a identificar são as necessidades funcionais do ambiente com seus fluxos e, principalmente, conforme a especialidade, entender quem é o cliente-paciente, seu acompanhante, e mesmo o perfil dos colaboradores em cada caso. “A decisão sobre a composição mais adequada varia se é um espaço de recepção, uma internação, um exame, uma cirurgia. Se a pessoa está apenas aguardando para ser atendida, por exemplo, isso pode ser muito mais prazeroso, adicionando à sala de espera referências de conteúdo e entretenimento, como um game ou um programa educativo na tela. Em outro caso, alguém que está acamado com uma artrose e sente dor nos dedos não pode ter dificuldades com um mecanismo complicado de um ar condicionado. Ou um bebê de três meses em atenção que não deve receber muitos estímulos visuais”, ilustra Lauro. Pensar na ergonomia e moldar os equipamentos mobiliários de acordo com o biotipo dos usuários típicos é outro significativo aspecto, segundo o arquiteto. Móveis reguláveis e até a bancada na altura ideal para os enfermeiros – são detalhes que determinam a eficácia do projeto.

CARGA AFETIVA

É de Lauro Miquelin a assinatura do design de interiores da nova unidade do hospital Mater Dei em BH - L M/Divulgação É de Lauro Miquelin a assinatura do design de interiores da nova unidade do hospital Mater Dei em BH
O viés mais ligado ao imaginário individual, e também coletivo, continua Lauro Miquelin, resgata nas soluções arquitetônicas e decorativas o repertório cultural e emocional das pessoas que vivenciam o ambiente clínico, e as características da história regional de onde a edificação está geograficamente inserida. “O profissional deve procurar na carga afetiva do paciente uma forma de lhe dar carinho através do espaço. Colocar uma figura de um quintal com uma jabuticabeira, que lembra a infância, uma panela de barro, uma cerâmica artesanal, um painel com a paisagem de uma montanha, ou uma praia. A atenção é para não pasteurizar ícones na harmonização, e sim evocar emoções pelas sutilezas, tanto para quem é atendido quanto para familiares, amigos e funcionários”, orienta. O arquiteto pontua ainda a relevância de priorizar a praticidade dos materiais, desde acabamentos fáceis de limpar e resistentes a faxinas pesadas, lâmpadas de maior duração a produtos que conservem melhor a construção, de forma que os espaços sejam utilizados e rapidamente disponibilizados para o próximo usuário.

Influência positiva do ambiente

Já com atuação de 18 anos voltada à saúde e trabalhos em todo o Brasil, as arquitetas Ana Paula Naffah Perez e Ana Carolina Tabach , diretoras de projetos da C+A Arquitetura e Interiores, são categóricas em afirmar que o edifício colabora com a cura. Empregando a abordagem chamada de design baseado em evidências, iniciada em um movimento em 1984, nos Estados Unidos, com a publicação de estudo do professor de arquitetura da saúde do Texas Roger Ulrich, e que atualmente se desmembrou em mais de mil pesquisas de universidades, centros de saúde e escolas de arquitetura no mundo todo, explicam, cresce o número de projetos que buscam em recursos como a luz e a ventilação naturais, a visão da natureza, menos barulho no ambiente e uma paleta de cores suaves, uma maneira de produzir resultados positivos para o cliente-paciente.

As arquitetas Ana Paula Naffah Perez e Ana Carolina Tabach, diretoras da C A Arquitetura e Interiores, criaram um espaço divertido para uma clínica pediátrica e obstétrica
 - C A Arquitetura e Interiores/Divulgação As arquitetas Ana Paula Naffah Perez e Ana Carolina Tabach, diretoras da C A Arquitetura e Interiores, criaram um espaço divertido para uma clínica pediátrica e obstétrica
“Os edifícios hospitalares podem ser lugares muito estressantes, por isso temos de criar um ambiente suave que considera os cinco sentidos. Sabemos que o organismo se recupera melhor quando não está em um estado de grande ansiedade e muita produção de hormônios do estresse, que aumentam a freqüência cardíaca e afetam o sistema imunológico. Se podemos projetar instalações que diminuam a ansiedade do paciente, podemos ajudá-lo a se recuperar mais rapidamente”, informam as profissionais. Aberturas de janelas são essenciais para luminosidade e circulação de ar, salientam Ana Paula e Ana Carolina. A luz do sol ajuda a aumentar a produção de serotonina, o "hormônio da felicidade", e a diminuir a melatonina, o "hormônio das trevas", sincronizando o ritmo circadiano com o ambiente natural, lembram. “Estudos sobre o tema revelam que a necessidade dos pacientes de remédios contra a dor é reduzida em 22% quando eles são expostos à luz do sol. Além disso, a percepção do ciclo do dia, noite, calor ou frio é fundamental”, contam as arquitetas.

Ter um contato com a natureza, mesmo que seja de uma janela ou sentado em um jardim terapêutico, continuam, tem sido associado com a redução da pressão arterial e da produção de hormônios do estresse. Por outro lado, a ausência dos elementos naturais pode produzir altos níveis de ansiedade e depressão. “As pesquisas indicam que árvores, grama, flores e água que flui têm o poder de distrair e acalmar os pacientes. A natureza proporciona uma trégua mental. Quando você olha por uma janela e admira uma bela paisagem, você pode deixar sua mente ir para outro lugar e pensar em algo diferente, deixando que ela se desconcentre do fato de que você não está se sentindo bem.”

Ruídos minimizados, especialmente à noite, favorecem o descanso e, em unidades neonatais, por exemplo, auxiliam o desenvolvimento dos prematuros, complementam. Um ambiente mais silencioso também pode ajudar o corpo clínico a exercer suas funções com menor número de erros. As diretoras da C+A completam que quartos individuais não só proporcionam uma estadia mais calma no hospital, como também reduzem a transferência de pacientes e o risco de infecções. "Com mais privacidade, os pacientes ficam mais predispostos a conversar com os profissionais de saúde, otimizando o tratamento. Acomodações modernas possuem ainda uma área específica para o conforto da família”, dizem.

Em outro projeto de Ana Paula e Ana Carolina, um exemplo de como a simples inserção de cor, arte, mobiliário confortável e até um vaso com flores transforma uma sala de espera - C A Arquitetura e Interiores/Divulgação Em outro projeto de Ana Paula e Ana Carolina, um exemplo de como a simples inserção de cor, arte, mobiliário confortável e até um vaso com flores transforma uma sala de espera
Cômodos clínicos pintados em tons neutros, ao invés de um branco puro ou de cores primárias intensas, podem reduzir a ansiedade e animar o humor, acrescentam, e o simples fato de colocar um armário individual de remédios no quarto, descentralizando o armazenamento, evita até equívocos médicos. “Os estudos também mostram que a arte retratando paisagens ou cenas do oceano tem efeito calmante, em oposição à arte abstrata, que pode ser estressante e preocupante para os pacientes.” Pensando nos funcionários, não deixam de citar Ana Paula e Ana Carolina, algumas organizações de saúde dispõem de espaços onde eles podem usufruir vários tipos de serviço, desde cabeleireiro, minicopas, até salas de descanso, massagem, e academia de ginástica.

VIABILIDADE

Na intervenção da arquiteta Jucélia Duarte para uma área de tratamento oncológico, figuras com referências da natureza concebem um ambiente de harmonia
 - Jucélia Duarte/Divulgação Na intervenção da arquiteta Jucélia Duarte para uma área de tratamento oncológico, figuras com referências da natureza concebem um ambiente de harmonia
Conforme orienta a arquiteta especialista na área de saúde Jucélia Duarte, antes de começar um trabalho nesse sentido, o ideal é atentar para a viabilidade da obra. Como existe legislação específica, em âmbito nacional, para regularizar intervenções em unidades médicas, conhecer o programa de necessidades que será desenvolvido no estabelecimento e consultar todas as normas e portarias pertinentes ao projeto que será desenvolvido é fundamental, elucida. “Se for o caso de alugar algum imóvel para montar uma clínica, é preciso ver se o imóvel atende as exigências de funcionamento.” O Ministério da Saúde prevê, por exemplo, os tipos de material certos para a composição dos espaços de tratamento. Eles devem facilitar a higienização. O material da bancada onde se faz manipulação e lavagem e os acabamentos de demais áreas molhadas devem ser lisos como o quartzo, o aço inox e o corian, menos porosos. Estofamentos de tecido lavável, móveis sem muitas reentrâncias, forros simples, sem sanca aberta para não acumular pó, paredes com tinta de limpeza prática, como o acrílico e o epóxi. “Além do que é obrigatório, outros pormenores na decoração passam a ideia de confiabilidade e afinidade por parte dos pacientes com seus médicos, dando a sensação de organização, limpeza, e assepsia da clínica ou consultório, o que ajuda na tranquilidade e recuperação dos pacientes”, afirma.

Seguindo o perfil dos pacientes, as especialidades e males diferentes, com características próprias em cada situação, Jucélia lembra que o projeto final vai variar desde a concepção de fluxo, à ornamentação, o mobiliário e a escolha da cor. “Áreas destinadas a crianças devem ser mais coloridas, ter elementos lúdicos, onde elas possam interagir em um ambiente leve e descontraído, sem deixar de falar que as brinquedotecas já são requisitos legais em alas pediátricas. Outro exemplo é a unidade destinada a pacientes geriátricos, que deve ter iluminação adequada para servir de orientação para a deambulação, ter peitoris baixos nas janelas, porém com segurança para quem estiver em cadeira de rodas. Um planejamento bem feito é o que todos participam, desde o médico, o enfermo, ao visitante e o funcionário”, finaliza Jucélia.

O consultório harmonizado por Jucélia tem boas ideias para aquecer a composição - Jucélia Duarte/Divulgação O consultório harmonizado por Jucélia tem boas ideias para aquecer a composição

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